Os Antiquários (Pablo De Santis)

Quando pensamos em vampiros, em histórias de vampiros, esperamos encontrar seres que escondem-se na noite (correndo o risco de morrer à exposição da luz solar), são pálidos, possuem caninos avantajados – o que os ajuda a caçar pessoas e satisfazer sua sede infinita de sangue. Certo? Bem, no romance Os Antiquários, do escritor argentino Pablo De Santis, embora a essência permaneça (a sede de sangue), muito dos aspectos frequentemente lembrados na cultura popular sobre os vampiros são parcial, se não totalmente, alterados, para que o autor crie todo um imaginário e um sentido próprios a sua história melancólica de amor não concretizado, envolvendo a arte e sua característica duradoura.

Nosso herói é Santiago Lebrón, de quem desde o início ficamos sabendo que possui um sebo herdado do antigo dono, vivendo então recluso e cercado pela companhia agradável dos livros. Este é o cenário em que o livro termina. Em um flashback conhecemos a história do protagonista e sua jornada até esse fim solitário: vemos o jovem Santiago que pouco conhece da vida chegando de mudança na cidade grande, onde encontra um tio que o ensina arte de consertar máquinas de escrever; ele passa então a trabalhar nesse ramo em um jornal local e tudo muda quando um dos jornalistas morre e é jogado nas costas de Lebrón o trabalho daquele: o da seção de palavras cruzadas e “O mundo oculto” – uma seção que cuidava de trazer textos sobre o mundo esotérico, além de investigar a vida de mentalistas, hipnotizadores, médiuns e outros místicos… Acontece que essa é um departamento secreto do governo que o utiliza para descobrir os que possuem poderes de verdade…

Em uma das investigações a que é enviado, Santiago depara-se com Luisa – por quem irá nutrir uma paixão durante todo o livro – e o pai dela, o professor Balacco, em uma reunião com um grupo de acadêmicos onde aquele diz que mostrará finalmente um antiquário – são os nossos “vampiros”, assim com aspas pois nunca aparece a palavra no livro. O autor cria o mito à sua própria maneira: seus seres vivem cercados de objetos do passado, são colecionadores; são avessos às novidades; possuem a característica de evocar a feição de pessoas conhecidas e já falecidas em quem os vê; fogem da luz solar por achá-la insuportável mas nada impede que andem de dia, desde que bem protegidos do sol; e têm sim a sede de sangue (chamada “sede primordial”) mas utilizam um elixir para satisfazê-la (e, como comunidade consciente de que sua exposição os levará à extinção, quem desobedece a essa regra encontra as consequências com a visita do numismático – um antiquário que coleciona moedas). Santiago acaba criando laços com um indivíduo desse grupo, as coisas complicam-se no seu trabalho e ele acaba sendo transformado, como última saída e sem saber, em um antiquário.

O que direciona mesmo os interesses do protagonista é a sua paixão pela filha de Balacco, Luisa, que, além do pai ser um perseguidor dos antiquários, é noiva de Luciano Montiel, um esgrimista e seguidor do professor, o que torna a aproximação de Santiago com Luisa cada vez mais difícil, apesar do amor entre eles começar a crescer reciprocamente. Sem contar que o desejo de sangue do herói arriscaria a união dos dois. Em tom obsessivo, ele busca achar uma maneira em que os dois possam viver juntos – é quando ele fica sabendo da existência de um livro medieval, chamado Ars Amandi, em que a resposta para o amor duradouro entre um antiquário e um ser humano seria revelada. Mais: o livro, conta-se, é lacrado de forma a entrar em combustão se não for aberto corretamente. Desse modo, o autor prende nossa atenção e nos deixa curiosos sobre como (e se) Santiago resolverá seu problema amoroso…

E assim Pablo De Santis constrói a trama de aprendizado de uma nova vida na condição de alguém recluso, duplamente acossado e seduzido pelo amor e encontrando aconchego na arte, tecendo milhares de comentários sobre estes assuntos, geralmente de forma sutil, sagaz e belíssima (por mais que em uns bem poucos momentos os apontamentos e situações pareçam ligeiramente forçados), a ponto do leitor querer a toda hora parar a leitura para grifar uma frase – principalmente os apaixonados por Literatura. Fora que o grande diferencial na reinvenção do mito vampiresco está na metáfora da arte como objeto escondido, mas possuidor de indizíveis mistérios e maravilhas, e que permanece apesar do efeito do tempo.

Embora o autor flerte sempre com uma trama de aventura em que há mistério, sociedades secretas e o fantástico em ação (lembrei bastante de O clube do suicídio, de Robert Louis Stevenson), a história não se equilibra na certeza de um enredo com um final certo. E o que torna a leitura gostosa, além das já citadas reflexões sobre a arte, o amor (e a vida em geral), é o tom melancólico e o embalo de uma narrativa fluente e segura de si em que o deleite na jornada não só é o mais importante como é garantido.

Autor: Pablo De Santis

Tradutor: Ivone C. Benedetti

Editora: Alfaguara

Páginas: 200

Preço sugerido: R$29,90